Confira a entrevista na integra que foi publicada na Revista Pitoco, de Cascavel, produzida pelos jornalistas Jairo Eduardo e Heinz Schmidt, neste mês de agosto.
Se olhar atentamente para a fisionomia de Valter Pitol , você vai pensar: só falta a batina. Ele é o típico descendente de italianos radicados no interior do Rio Grande do Sul, cuja família católica sonhava vê-lo trilhando o caminho do sacerdócio.
E quase foi assim. O jovem Pitol frequentou o seminário durante cinco anos. "A igreja perdeu um cardeal, mas o cooperativismo ganhou um dirigente", brincou o jornalista Heinz Schmidt, co-autor da entrevista abaixo, ambientada na sala do presidente, situada no segundo andar da sede administrativa da Copacol, em Cafelândia.
A conversa, que seria de 20 minutos - dada a apertada agenda presidencial daquela manhã de julho - acabou consumindo uma hora, para desespero de Célia, veterana secretária instalada na antessala da diretoria há quase três décadas.
Célia é testemunha ocular da paciência de Pitol. Ele foi vice de dois presidentes por quase duas décadas. Aguardou sua vez no banco com a paciência e resiliência do jovem engenheiro agrônomo que conheceu Cafelândia no início dos anos 1970.
Ele veio do Rio Grande do Sul para uma missão na Acarpa (hoje Emater). Ambicionava seguir carreira na empresa, mas havia uma cooperativa no caminho.
Convidado para fazer parte do quadro técnico da Copacol, ele aceitou o desafio.
Em Cafelândia, seu primeiro endereço residencial foi um modesto dormitório que funcionava junto ao terminal rodoviário. Da janela do velho prédio de madeira vislumbrava não mais que meia dúzia de casas.
A "patente", como se chamava o banheiro, era no quintal, precariamente fechada por taramela (para os gringos, "tramela").
Acompanhe os principais trechos da conversa com o associado 545 da Copacol. É a bendita trajetória do "projeto de padre" da rodoviária poeirenta para a presidência da cooperativa que fatura R$ 3,2 bilhões.
Origens
"Nasci em Cotiporã, região de Veranópolis (RS), pequena localidade na época, com menos de mil habitantes. Trabalhei na roça pelo sistema antigo, tudo manual. Aos 12 anos fui para o seminário, seguindo uma tradição familiar. A ideia era ser padre, mas não despertou a vocação, embora essa experiência tenha sido fundamental em minha formação. Fiz então o ensino médio em Bento Gonçalves e a faculdade em Passo Fundo, onde fui colega de Micheletto (ex-deputado, falecido). Ele me disse: - O Paraná é um bom lugar para tentarmos a vida."
Rodoviária
"Cheguei a Cafelândia já formado em agronomia, em janeiro de 1973. Era extensionista rural. Logo passei a atuar na Cooperativa Nossa Senhora Consolata, o nome da Copacol então. Morei em casa de madeira de dois andares, com a rodoviária embaixo. Era um poeirão só. Havia três quartos no andar de cima. Eu ocupava um deles. O banheiro era lá fora."
Coopavel?
"O Romano (Czerniej) era o presidente da pequena cooperativa, fundada sob inspiração do padre Luis Luise a partir de suas vivências na Itália. Houve uma assembleia. Na pauta estava a incorporação da cooperativa à Coopavel, em Cascavel. Os associados, influenciados pelo padre, disseram não."
O burocrata
"Nunca passou na minha cabeça presidir a cooperativa. Eu queria desenvolver um trabalho na Acarpa. Queria crescer na hierarquia, no serviço público. Então passei a chefiar os agrônomos da cooperativa em 1975. Para me associar, arrendei terra, plantei trigo. Sou o associado 545. Nessa época comprei um Dodginho que me incomodou. Casei e consegui viajar em lua de mel para Bagé, já que os pais e sogros pagaram as despesas do casório."
O paciente
"Sou um gaúcho sem bombacha, fui vice de dois presidentes, 18 anos como vice, função que assumi em 1980. Foi um processo natural para chegar a presidente. A vice-presidência foi um longo aprendizado. O que muda? A responsabilidade do cargo. O Pitol é o mesmo do compromisso com a sociedade, com o associado, com a cooperativa. Não me sobe na cabeça, não atuo só, somos construídos por muita gente."
O gestor I
"O processo decisório da cooperativa é colegiado. A equipe interna analisa a estratégia para cinco anos, sem improviso. O Conselho de Administração debate e aprovamos a estratégia. Cabem a mim e à diretoria colocar em prática o que foi definido no colegiado. Cada área sabe o que fazer dentro sua alçada e autonomia, pois o macro está definido."
O gestor II
"Honestidade, qualidade e o melhor negócio. É assim o nosso sistema de compras, e o fornecedor sabe como funciona. Compliance está na cultura da cooperativa desde muitos anos. Auditoria independente, Conselho Fiscal eleito pelos cooperados, auditoria interna e externa, e principalmente o compromisso de fazer as coisas certas. O exemplo tem que vir de cima."
O entorno
"Não procede isso que montamos uma máquina gigante para concorrer com empresários da cidade e da região na economia. Nós conseguimos conviver bem com isso. A cooperativa não faz preço para liquidar concorrente. Tem espaço para todo mundo. Não que isso aconteça sempre sem conflitos, mas há um ponto de equilíbrio que buscamos implementar."
Pedidos
"As pessoas me encontram na rua e pedem coisas. Isso é natural. Digo: você é meu amigo do peito, se eu puder fazer, farei. Se não der, não deu. Uso da franqueza, sou muito direto e franco. É natural que pessoas achem que o presidente pode resolver todos os problemas. Acabo delegando para as pessoas da área, não prometo nada nem crio expectativas."
Concorrência
"A relação entre as cooperativas da região é boa. Há certa tensão nas divisas de território, mas é natural. Isso não é problema. Prefiro agir onde poderíamos avançar. Exemplo: deveríamos integrar os processos de venda no exterior. Temos produtos semelhantes, de qualidade, custos e preços semelhantes. Montar uma estrutura unificada de vendas na Europa, por exemplo, e não cada cooperativa ter a sua, resultaria em otimização e conquista de fatias maiores no mercado internacional."
Futuro
"Tenho ciência de até onde podemos ir. A expectativa minha é dedicar tempo integral à cooperativa. A política não está neste cenário. Questão é preparar lideranças para passar o bastão da presidência. A médio prazo, em um cenário de cinco anos, verticalizar a produção e aumentar o portfolio. Vai crescer o abate e será necessário agregar valor à produção. Isso pede processos industriais mais verticalizados."
Tilápia I
"A Copacol é o maior abatedor de tilápias do Brasil. Foi um acerto espetacular da cooperativa, iniciado em 2008. O peixe é mais rentável em todas as comparações e continuará sendo. Estamos cientes de que a concorrência irá aumentar e a margem será reduzida, mas continuará sendo um grande negócio, decisão acertadíssima."
Tilápia II
"As áreas de várzea, que nada valiam, passaram a cumprir papel fundamental na diversificação da produção e no incremento da receita de nossos associados. O problema nunca foi produzir. O desafio era comercializar. Aí entrou a força da cooperativa, que cumpre seu papel. Hoje, a tilápia rende entre quatro e cinco reais por metro quadrado de lâmina d?água ao produtor, é de 10 a 15% mais rentável que o frango. É carne saudável, é tendência mundial."
Política I
"A prática da cooperativa é não interferir e não participar de eleições. Também não há intervenção política aqui dentro. O prefeito não participa da decisão de investimento, a não ser como cooperado. Porém, não nos omitimos. Os deputados da Frente da Agricultura e do Cooperativismo recebem nosso apoio e damos preferência."
Política II
"Não há impedimento de visitarmos os cooperados, dentro do possível, e apresentar os candidatos que estejam comprometidos com a agricultura. Muitas decisões que afetam nosso setor passam pelo Congresso Nacional. Portanto, é legítima nossa atuação de pedir votos para aqueles que assumiram compromisso com o cooperativismo."
Mea culpa?
"Se foi um erro minha mulher se candidatar a prefeita? (em 2012). Veja, a intenção era fazer o melhor para o município. Não dependemos de prefeitura, mas ela esteve oito anos à frente da educação, imaginávamos que poderíamos ir além neste bom propósito. Infelizmente não deu. Houve uma certa frustração, ninguém gosta de perder. Mas olhando depois, eu disse: - Foi a melhor coisa que aconteceu. Surgiriam situações que não poderíamos atender. Foi um aprendizado."
Os números da Copacol
5.555 associados | 9.000 colaboradores | 103,4 milhões de aves abatidas (ano) | R$ 3,253 bilhões de faturamento (ano) | 20,7 milhões de peixes abatidos (ano) | 251.509 mil suínos entregues à Frimesa (ano) | 10,6 milhões de litros de leite entregues à Frimesa (ano).